sábado, julho 30, 2005

"A Leonor"

Acabou de aqui entrar uma menina, 4 aninhos talvez, uns olhos muito azuis, um chapéu rosa, uma carinha linda. Entrou sozinha. Olhou para mim e disse, apontando para um objecto:
"A minha mãe quer comprar isto."
Eu sorri e perguntei:
"Quer?"
Ela responde:
"Não, não quer."

Entretanto ouço a voz da mãe lá fora:
"Anda cá."
E ela foi.
Do local onde estou não vejo a porta, nem a mãe e também não me aproximo. Apenas ouço:
"Dá-me a mão Leonor." A voz é calma, mas de uma calma meio gélida.
"Ná" - diz a miuda.
"Dá-me a mão Leonor. Leonor, dá-me a mão.
Dá-me a mão Leonor. Leonor, dá-me a mão."
Após esta insistência ouço a palmada que a mãe finalmente deu na mão da Leonor.
"Estou farta Leonor. É para isto que te trago a passear?"
O tom de voz não muda, calmo e frio, sem exaltações.
Ouço a mãe a pegar nos sacos de plástico, ouço o chocalhar de garrafas dentro desses sacos.

Provavelmente é uma mãe cansada, carregada de compras e já sem paciência para as traquinices próprias de uma criança pequena.
Sei lá... mas a miuda apenas entrou e falou, apontou, não tocou nem pegou em nada.

Bolas... porque é que estas coisas mexem comigo? Porque é que estou a fazer um filme na minha cabeça?
A Inês ainda é pequenina, mas a Cláudia também já me aprontou algumas que me tiraram do sério. Por isso entendo.

Acho que foi o tom de voz que me gelou. Aquela calma sem calor, sem nervos, sem alteração.
Parecia uma máquina em piloto automático:
Faz asneira. Pede a mão. Dá a palmada e a vida continua.

3 comentários:

O meu puzzle da vida disse...

Realmente, não podemos fazer filmes, senão ficamos tristes e pode ser que não seja nada do que imaginámos
beijinhos

Fitinha Azul disse...

esses tons de voz também me gelam a mim, as palmadas idem aspas. Uma coisa já aprendi, que quando estamos mais nervosas, cansadas, stressadas passamos tudo isso para os nossos filhotes e é nessas alturas que eles mais disparates fazem e a maioria das vezes fazem-no sem querer, só para chamarem a atenção.
Beijinhos

AnaBond disse...

eu neste momento já não consigo ficar indiferente a isso, mas consigo entender tão bem certas coisas... mesmo muito bem.
infelizmente, o cansaço por vezes é mais forte.... não digo o que pode hipoteticamente ter acontecido ou como essa menina se comporta... nunca sabemos.

só sei que há coisas agora que já não critico como criticava... mas há outras que critico ainda mais do que criticava. há coisas que não têm razão nenhuma de ser... nenhuma!